Mais um dia na Terra Caribis

22/11/2014 22:37

Um belo dia na terra caribis… – por Vilmar Antônio da Silva

 

Quando o dia começa em Porto Príncipe, o sol já chega trazendo a poeira fina e esbranquiçada do Haiti, poeira clara como o polvilho, trazendo mais um dia de lembranças e de muita agitação. Mas o dia mal acaba de amanhecer e, durante o dia estaremos tão ocupados em nossos afazeres que nem perceberemos a noite chegar. Apenas mais um dia no Haiti, onde o tempo passa rápido como um raio. Mas o tempo passa mesmo assim tão rápido para todos?

Desde os primeiros raios do sol, os soldados brasileiros já estão de pé, preparando o equipamento, a roupa e o espírito para outro dia da missão de suas vidas. A missão da Paz, da Esperança, do Consolo, começa a mostrar seus verdadeiros desafios e a rotina começa a arrefecer o sentimento de nobreza que trouxemos do tão maravilhoso Brasil e a automação natural do homem em adaptação vai transformando condutas, conceitos e sentimentos em respostas automatizadas aos acontecimentos muitas vezes muito hostis. Sem aperceber-se, o soldado começa a agir da mesma forma que os que aqui estavam quando chegamos que demonstravam grande maturidade e excepcional adaptação à situação. Quase um mês de missão e a adaptação parece ter chegado. Isso é bom!?

As primeiras missões reais de nossas vidas nos trouxeram mudanças muito profundas e ainda temos dificuldades em perceber essas mudanças. Estamos muito mais confiantes e nos sentindo mais fortes, mais adaptados e mais conscientes de nossa condição de Força de Paz agora. Porém, o primeiro tiro que passou muito perto, os primeiros companheiros que sobreviveram por uns poucos centímetros de capacete, o primeiro disparo do coração acelerado, os primeiros apuros de verdade foram muito complicados e, em muitas vezes, desesperadores, mas os primeiros abraços de parabéns, o primeiro contato real com o inimigo foram eletrizantes, os primeiros êxitos nas missões foram arrepiantes, afinal, ganhamos a cada momento a experiência que esperávamos, sem perder o que de melhor há em nós brasileiros: a alegria de viver.

Entendemos agora aqueles conceitos que aprendemos nos quartéis, em todos os cursos, em todos os níveis, que definem zona de tiro, segurança com o armamento, proteção dos blindados, velocidade da rajada e muitos outros que nos pareciam tão teóricos quanto vagos. Porém, um conceito não nos foi ensinado e temos grandes dificuldades em assimilá-lo: o conceito SAUDADE.

Saudade, que de tanto complicado esse sentimento, somente existe na língua portuguesa e, muito mais veemente e intensamente no Brasil. Não está contido em nossos manuais de campanha, nem tampouco é ensinado na AMAN ou EsSA, mas ataca o “combatente” de modo sórdido, causando uma inquietação tamanha. Remete-nos aos versos de Gonçalves Dias, que quando escreveu a “Canção do Exílio” ele dizia: “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá. As aves que a aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá [...]” Até parece que ele falava daqui, pois não se ouve pássaros aqui! E mais impressionante a verossimilhança quando ele diz que: “Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores que não encontro por cá; (aqui ele fala literalmente de nossa condição de forasteiros, em terra tão estranha quanto inóspita, em um desconcertante contraponto ao que há de maravilhoso na maravilhosa Terra Brasilis).

Contudo, apesar de Gonçalves Dias e da poeira haitiana, o sentimento de cumprimento do dever, juntamente com a sensação de enorme ganho de conhecimento e experiência, nos inebria e faz-nos agradecer a Deus por estarmos fazendo parte deste excepcional contingente de uma Força de Paz Mundial, na mui nobre missão de trazer PAZ para aqueles que tanto precisam que nem mesmo a conhecem. FORÇA JAURU” Ser mais do que parecer.

(*) Vilmar Antônio da Silva, subtenente em missão de Paz no Haiti, do 18° GAC