Atividade para 5º semestre - outubro 2014

 

 

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. PROPRIEDADE. AQUISIÇÃO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO. EXTRAORDINÁRIO. A ação que visa usucapir com base no art. 1.238 do CC, usucapião extraordinário, tem por requisito prova da posse de imóvel por quinze anos ininterruptos, sem oposição, independentemente de título e boa-fé. Na hipótese do possuidor estabelecer no imóvel a sua moradia habitual ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo é reduzido para 10 anos, respeitada a regra de transição disposta no art. 2.209 do CC. - Atendidos aos requisitos, inclusive a posse sem oposição, impõe-se manter a procedência da ação. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70058854613, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 18/09/2014)

(TJ-RS   , Relator: João Moreno Pomar, Data de Julgamento: 18/09/2014, Décima Oitava Câmara Cível)

 

 

 

TJ-RS - Apelação Cível : AC 70058854613 RS (Inteiro Teor )

 

 

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA





 

JMP

Nº 70058854613 (Nº CNJ: 0078024-47.2014.8.21.7000)

2014/Cível

      • APELAÇÃO CÍVEL. usucapião. bens imóveis. PROPRIEDADE. AQUISIÇÃO. ação de usucapião.

      • USUCAPIÃO. EXTRAORDINÁRIO.

      • A ação que visa usucapir com base no art. 1.238 do CC, usucapião extraordinário, tem por requisito prova da posse de imóvel por quinze anos ininterruptos, sem oposição, independentemente de título e boa-fé. Na hipótese do possuidor estabelecer no imóvel a sua moradia habitual ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo é reduzido para 10 anos, respeitada a regra de transição disposta no art. 2.209 do CC. – Atendidos aos requisitos, inclusive a posse sem oposição, impõe-se manter a procedência da ação.

      • RECURSO DESPROVIDO.

Apelação Cível Décima Oitava Câmara Cível
Nº 70058854613 (Nº CNJ: 0078024-47.2014.8.21.7000) Comarca de Jaguarão
BRANCA JASPE CARCERES E OUTROS APELANTE
GENESIO DA SILVA APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Nelson José Gonzaga (Presidente) e Des. Heleno Tregnago Saraiva.

Porto Alegre, 18 de setembro de 2014.
 

DES. JOÃO MORENO POMAR,

Relator.

RELATÓRIO

Des. João Moreno Pomar (RELATOR)

BRANCA JASPE CARCERES E OUTROS apela da sentença proferida nos autos da ação de usucapião proposta por GENESIO DA SILVA. Constou da sentença apelada:

  • Genésio da Silva, qua­li­fi­ca­do nos autos, ingressou com ação de usucapião, narrando posse exclusiva, man­sa, pacífica e inin­ter­rup­ta, por mais de vinte anos, do imóvel que descreve na inicial e em documentos juntos. Requereu a pro­ce­dência do pedido com a declaração do domínio e transcrição da sentença no Re­gis­tro de Imó­veis e ainda a concessão do benefício da assistência ju­di­ciá­ria gra­tui­ta. Jun­tou documentos (fls. 05/08 e 18/22). Posteriormen­te, solicitou a inclusão no polo passivo das pessoas de Branca Jaspe Cáceres, Labibe Jaspe Rodrigues, Rada Jaspe e Glaris Hofemblatt Jaspe, qualificando-as (fls. 24/25). A assistência judiciária gratuita foi defe­ri­da (fl. 28).

  • As rés Branca e Rada foram citadas (fls. 33v e 53), no­ticiado o falecimento da ré Glaris (fls. 36/37); a sucessão foi in­cluí­da no polo pas­sivo (fl. 39) e citada (fls. 97v). A ré Labibe com­pa­re­ceu esponta­nea­men­te e deu-se por citada (fls. 90/91). Os repre­sen­tantes da Fa­zenda Pública da União, do Estado e do Município fo­ram intimados (fls. 98/99), manifestando a Fazenda Pública da U­nião o desinte­res­se na ação (fl. 132), não havendo manifestação da Fa­zenda Esta­dual e declarando a Fazenda Municipal interesse em ra­zão da exis­tên­cia de débitos referentes ao Imposto Predial e Ter­ri­torial Urbano (fl. 114). Os con­fi­nan­tes foram citados (fls. 46v e 74v) e não se manifestaram.

  • As rés apresentaram contestação, alegando, pre­li­minarmente, a carência de ação da parte autora pois na narrativa da inicial não afirmou possuir o imóvel com animus domini, e no mérito, afirmam que apenas toleravam o uso do imóvel pelo autor, lá comparecendo regularmente e quitando o imposto predial. Ao fi­nal, requereram a improcedência do pedido e a concessão do be­ne­fí­cio da assistência judiciária gratuita (fls. 100/102), que foi deferido (fl. 140). Juntaram documentos (fls. 103/113).

  • Houve réplica, ocasião em que o autor rechaçou a pre­liminar e repisou as alegações da inicial (fls. 121/122). Em des­pacho saneador o juízo postergou a análise da preliminar para a sen­tença, em razão da confusão entre o seu enfrentamento e o mé­rito (fl. 123). Em instrução foi tomado o depoimento pessoal do autor e co­lhidos os depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes. As rés postularam o deferimento de prazo para juntada de cer­tidão de óbito de pessoa referida pelas testemunhas, o que foi de­ferido (fl. 153v). Veio aos autos o documento (fls. 156/157). En­cer­rada a instrução, as partes ofereceram memoriais (fls. 163/167 e 169/170).

  • O juízo determinou a expedição de edital de citação de eventuais interessados (fl. 171), o qual foi expedido (fl. 172), não havendo qualquer manifestação (fl. 173v).

  • É o relatório. Decido.

  • Ausentes nulidades à sanar, passo ao exame da preliminar aventada pelas rés em contestação, a qual deve ser de­sa­colhida. É que a simples ausência da expressão animus domini não tem o condão de tornar o autor carente de ação, vez que do contexto da narrativa se depreende que a posse era mantida com ânimo de dono.

  • No mérito, é de salientar que será aplicada ao pre­sente caso a sistemática constante do Código Civil de 1916, uma vez que, segundo o au­to­r, sua posse iniciou em 1979, tendo o pra­zo da prescrição aquisitiva então vi­gen­te se perfectibilizado no ano de 1999, antes, portanto, do vigor do Novo Códi­go Civil. Assim, a­plicável ao caso o artigo 550 do Código Civil de 1916, o qual pre­vê:

  • Art. 550. Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imó­vel, adquirir-lhe-á o domínio, indepen­den­te­men­te de título de boa fé que, em tal caso, se pre­su­me, podendo requerer ao juiz que assim o de­cla­re por sentença, a qual lhe servirá de título para trans­cri­ção no Registro de Imóveis.

  • Ora, conforme o depoimento do autor e das tes­te­mu­nhas, quando da proposi­tu­ra da demanda o requerente já titu­la­rizava a posse do imóvel usucapiendo há mais de vinte anos. As­sim, Adão Pimentel, residente nas proximidades há mais de cin­quen­ta anos, informa que o autor adquiriu a área por permuta e que ali mantém animais já faz mais de vinte anos; disse que o imó­vel é conhecido como terreno do Genésio. No mesmo sentido vão os depoimentos de Wilmar Teixeira de Mello, irmão do antigo pos­sui­dor, o qual a­cres­centa que a permuta teria ocorrido há mais de trin­ta anos, inexistindo divisões internas no bem; de Luiz Fernando Duarte que, além de reafirmar a posse do terreno pelo au­tor, diz que a permuta remonta de mais de trinta anos, quando ainda era criança; e do lindeiro Ademir Passos, que disse residir no imóvel vi­zinho há mais de vinte anos e que, ao mudar-se para lá, quem pos­suía o terreno era Waldemir, que posteriormente permu­tou o ter­reno com o autor.

  • Face a tudo isso, pesa menos a manifestação do au­tor em seu de­poimento pessoal, quando disse que teria per­mu­ta­do o imóvel cerca de dois anos antes da morte de Waldenir. A a­parência é de simples equívoco na menção ao momento exato de sua entrada na posse do bem; veja-se que ele não recorda com pre­cisão do mo­mento da morte do possuidor anterior e nem soube indicar precisamente quanto tem­po antes desta morte houve a per­muta. Em fim, o depoimento das testemunhas, em especial de Luiz Fernando Duarte – que declarou firmemente que ainda era criança quan­do o autor passou a ocupar o terreno – conduzem o juízo à con­clusão de que efetivamente a permuta ocorreu há tempo bas­tan­te para produzir a usucapião.

  • Ademais, não tenho como significativas as declara­ções de Alexandre Muniz, testemunha defensiva que afirma ter co­nhecimento de que o imóvel pertenceria a herdeiros e que chega a afirmar que há sete ou oito anos atrás houve oposição a posse do autor. Tais declarações permanecem isoladas no mosaico probató­rio; note-se que nem as rés, em sua contestação, afirmaram haver ten­tado reaver o bem. Além disso, o próprio Alexandre afirma des­co­nhecer se a suposta oposição a posse foi comunicada ao autor, não sabendo precisar se as proprietárias teriam conversado com o requerente e impugnado a posse exercida por ele. Outrossim, a a­le­gação de mera tolerância, não en­con­tra qualquer comprovação nos autos, ônus que incumbia as de­man­dadas, visto ser fato im­pe­di­tivo da aquisição pelo autor. O mero fato do pagamento do im­pos­to predial é irrelevante, por não corresponder a ato de posse.

  • Enfim, o caso é praescriptio longi temporis, res­tan­do preenchimentos os requisitos exigidos pela legislação para a aquisição da pro­priedade descrita na inicial por meio do usucapião extraordinário.

  • ***

  • Ante o exposto, julgo procedente o pedido de u­su­capião, pa­ra declarar o domínio de Genésio da Silva sobre o imó­vel descrito na fl. 08, com fulcro no art. 550 do Código Civil de 1916.

  • Custas pelas rés, arbitro honorários em favor do pa­trono do autor em R$ 500,00, com fulcro no art. 20, § 3º do CPC, ten­do em conta a natureza da matéria, o trabalho realizado pelo pro­fissional e o tempo exigido para a demanda; suspensa sua e­xi­gibilidade, contudo, ante a assistência judiciária deferida (fl. 140).

  • Transitada em julgado, expeça-se mandado ao Registro de Imó­veis e arquive-se.

  • Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Nas razões sustenta que quem cuida de um imóvel não pode pretender que tenha sucesso demanda referente à usucapião; que quando do ajuizamento da presente ação o autor teria detenção de apenas aproximadamente dez anos; que o autor não teceu consideração a respeito do seu ânimo de dono; que houve oposição por parte dos herdeiros do imóvel; que pelos elementos probatórios da ação não poderia haver a procedência da mesma. Postula pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões de apelação.

O Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Subiram os autos a esta Corte.

Vieram-me conclusos para julgamento.

As disposições dos artigos 549, 551 e 552 do CPC restam atendidas pelo procedimento informatizado deste Tribunal.

É o relatório.

VOTOS

Des. João Moreno Pomar (RELATOR)

Eminentes Colegas!

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim passo a decidir.

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA.

A usucapião é modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse da coisa em determinado tempo exteriorizando sem oposição de terceiro o ânimo de quem detenha o domínio. No ensinamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

  • O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unido posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade.

  • (In Direitos Reais, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 274).

Como requisitos à aquisição da propriedade por meio de usucapião são necessários a posse mansa e pacífica com ânimo de dono pelo tempo previsto na lei. Acresce a estes os requisitos suplementares do justo título e boa-fé, tratando-se da usucapião ordinária, o requisito da moradia na usucapião urbana e, associado a esta, o requisito de trabalho na usucapião rural.

Mas, é possível usucapir, também, somente pela longa duração da posse (quinze ou dez anos), dispensando os requisitos formais do justo título e boa-fé, usucapião extraordinária, como dispõe o art. 1238 do CC:

  • Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

  • Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

É pertinente destacar a lição de Arnaldo Rizzardo distinguindo os meios de usucapir ordinário e extraordinário:

  • Note-se que o traço distintivo entre usucapião extraordinário e ordinário se encontra na exigência, para o último, dos requisitos do justo título e boa-fé, cuja existência se presume no primeiro tipo e em que o prazo da posse é mais longo.

  • (...)

  • Eis os requisitos impostos para o reconhecimento da usucapião em exame: a) objeto hábil; b) duração da posse; c) as qualidades da posse; d) o justo título; e) a boa-fé.

(In Direito da Coisas, Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 273).

Logo, para a usucapião extraordinária basta a posse contínua, com animus domini, sem interrupção nem oposição, acrescida em alguns casos da qualificação pela função social. Neste sentido orientam precedentes do e. STJ:

  • RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS COISAS - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, E 2.029 DO CC/2002 - RECURSO PROVIDO.

  • 2.- O art. 1.238, § único, do CC/02, tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do Código anterior, qualquer que seja o tempo transcorrido, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002.

  • 3.- No caso, da data da posse (meados de 1994) até a entrada em vigor do CC/2002 (11.1.2003) haviam transcorridos 9 (nove) anos.

  • Aplicando-se a regra de transição do Art. 2.029, ao tempo implementado deverão ser acrescidos 2 anos, assim o prazo da prescrição aquisitiva da usucapião extraordinária aperfeiçoou-se no dia 11/1/2005, sendo que a ação foi proposta em 11.6.2008.

  • 4.- Recurso Especial provido para afastar o obstáculo do lapso temporal e determinar o prosseguimento do julgamento, na origem, pelo mérito.

  • (REsp 1314413/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013)

  • DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. POSSE EXERCIDA APENAS SOBRE PARTE DE IMÓVEL URBANO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. AFASTAMENTO.

  • INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL À PRETENSÃO DA AUTORA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

  • 1. O processo de usucapião extraordinária foi extinto sem resolução de mérito por suposta impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que a autora pretende usucapir área que, de fato, não possui.

  • 2. No entanto, tal fundamento não revela qualquer vedação legal à aquisição do imóvel, consectariamente, à pretensão de usucapi-lo. Em realidade, se de posse ininterrupta e sem oposição não se trata - como exige o art. 550 do CC/16 -, cogitar-se-ia de improcedência do pedido e não de impossibilidade jurídica.

  • 3. A possibilidade jurídica do pedido consiste na admissibilidade em abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional.

  • 4. Com efeito, inexistindo vedação legal à pretensão da autora, não se há cogitar de falta de condições para o exercício do direito de ação.

  • 5. Recurso especial provido.

  • (REsp 254.417/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 02/02/2009)

  • DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS COISAS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ E JUSTO TÍTULO. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. NÃO-INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. POSSE PRECÁRIA. SÚMULA 07/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

  • 1. Não há violação ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido se manifestou acerca de todos os pontos argüidos nos aclaratórios.

  • 2. Afasta-se a indigitada afronta aos arts. 492 e 550, ambos do Código Civil de 1.916, porquanto as teses articuladas pelos recorrentes lastreiam-se em alegada má-fé do antigo possuidor do imóvel e em ausência de justo título dos recorridos. Porém, o acórdão ora hostilizado afastou a pretensão reivindicatória dos recorrentes pelo reconhecimento de usucapião extraordinária, que, sabidamente, dispensa comprovação de boa-fé e justo título.

  • 3. A ação discriminatória ajuizada pelo Estado de São Paulo não tem o condão de interromper o lapso temporal da prescrição aquisitiva, porquanto seu escopo é a especificação de terras devolutas, sem gerar efeitos em relação a terceiros particulares, como já decidiu esta Corte no REsp. 205.969/SP.

  • 4. As conclusões a que se chegou o acórdão recorrido, de que não se tratava de posse precária, somente poderia ser desfeita mediante análise do título translativo de posse, o que transborda à esfera cognitiva do recurso especial, à luz do enunciado n. 07 da Súmula desta Corte.

  • 5. O reconhecimento da prescrição aquisitiva dos imóveis em testilha ocorreu em razão de posse mansa e pacífica exercida desde 24 de fevereiro de 1.966 e a reivindicatória só foi proposta em 10 de março de 1.993, após escoado o lapso temporal de 20 anos exigido para usucapião extraordinária. Assim, a análise acerca dos efeitos da reintegração de posse ajuizada em face do anterior possuidor mostra-se despicienda, porquanto, ainda assim, a usucapião extraordinária estaria consumada, tendo em vista que a posse exercida pelos recorridos já seria bastante.

  • 6. Recurso especial não conhecido.

  • (REsp 241.814/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 18/12/2008)

Sobre a usucapião extraordinária indicam os precedentes deste Tribunal de Justiça:

  • APELAÇAÕ CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTRAORDINÁRIA. ÔNUS DA PROVA. A juntada de documentos após a prolação de sentença é admitida somente em casos excepcionais, quando se tratar de documento novo ou quando a parte provar que deixou de proceder na juntada por motivo de força maior, inocorrente nos autos. Documentos novos não admitidos. Pedido de desconstituição da sentença porque baseada em prova equivocada. Evidentemente que o documento impugnado, levantamento aéreo obtido junto ao município, retrata a área objeto desta ação. Tal documento refere lote 29, mesma descrição daquele acostado aos autos pelos próprios autores. Não há nulidade a ser declarada. Preliminar afastada. MERITO. Aplica-se o prazo da lei anterior quando reduzido pelo Novo Código se na data de sua vigência, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. A usucapião extraordinária, prevista no art. 550 do CC/16, incidente na espécie, tem como requisitos: a posse com animus domini, ininterrupta e sem oposição, por vinte anos. Situação em que os autores não comprovaram, de forma satisfatória e estreme de dúvidas, o exercício de posse, com o ânimo de dono, pelo lapso temporal legalmente exigido, na área que é objeto da ação de usucapião. Prova que aponta para a posse no lote ao lado daquele que é objeto da lide. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (Apelação Cível Nº 70049296866, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 28/11/2013)

  • APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE USUCAPIÃO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 550 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 EM SUA INTEGRALIDADE. LAPSO TEMPORAL. MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO LEGAL. AJUIZAMENTO DA AÇÃO. O lapso de 20 anos, na usucapião extraordinária, deve estar implementado na data do ajuizamento da ação, e não apenas na data da sentença. Entendimento tranqüilo do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual" para efeito de usucapião extraordinário, é inadmissível o cômputo do prazo posterior ao ajuizamento da demanda até a prolação da sentença ". Hipótese em que restou demonstrado período de ocupação inferior ao preconizado pela legislação de regência. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70056219066, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 26/09/2013)

  • APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. RÉUS EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO. CITAÇÃO POR EDITAL. CABIMENTO. A citação pessoal daquele em cujo nome esteja transcrito o imóvel usucapiendo é indispensável à validade do processo. Depois de esgotadas todas as diligências para encontrar os requeridos, admite-se venham a ser citados por edital. Citação regular. MÉRITO. REQUISITOS DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA IMPLEMENTADOS. Documentação juntada ao processo, aliada aos testemunhos colhidos em audiência, que demonstram, estreme de dúvidas, o exercício de posse qualificada pelo período de tempo necessário ao reconhecimento da usucapião. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÃNIME. (Apelação Cível Nº 70055110191, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 22/08/2013)

  • APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA. SOMA DE POSSES. LAPSO TEMPORAL NÃO DEMONSTRADO. Ausência de prova da posse mansa e pacífica, ininterrupta e ânimo de dono, pelo período previsto em lei, ônus que incumbia aos autores, a teor do disposto no art. 333, inciso I, do CPC. Lapso temporal não demonstrado. Sentença de improcedência mantida. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70028836740, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 19/07/2012)

Registra-se, ainda, que a prescrição aquisitiva com fundamento no art. 1238, parágrafo único do CC/2002, deve ser analisada conjuntamente com a regra de transição disposta no art. 2.029 do CC/2002, in verbis:

  • Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916.

Com efeito, a ação que visa usucapir com base no art. 1238 do CC, usucapião extraordinário, tem por requisito prova da posse de imóvel por quinze anos ininterruptos, sem oposição, independentemente de título e boa-fé. Na hipótese do possuidor estabelecer no imóvel a sua moradia habitual ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo é reduzido para 10 anos, respeitada a regra de transição disposta no art. 2.209 do CC.

No caso dos autos, a parte autora busca usucapir terreno localizado na cidade de Jaguarão com área total de 2.496 m². Alega, na inicial, que há mais de 20 anos está na posse mansa e pacífica do imóvel. A ação foi ajuizada em 06/01/2009.

Citados o proprietário, os confinantes, os réus incertos, os interessados e as autoridades constantes no art. 943 do CPC, houve contestação da parte ré (fls. 100-102) no sentido de que a parte autora não possui ânimo de dono e que havia uma mera tolerância por parte dos proprietários.

Da prova testemunhal, fls. 194-208, verifica-se que restou sobejamente confirmado o direito da autora, pois as testemunhas descrevem:

  • Testemunha Adão Pimentel Silva (fl. 197-198):

  • Juiz- O Seu Genésio este movendo ação de usucapião, para ficar com um imóvel que fica situado ali na Rua Fernando Redi Camacho. O Senhor conhece esse imóvel, sabe se ele usa?

  • Testemunha – Conheço, sim, senhor. Ele usa a mais de vinte ano já ali.

  • (...)

  • Juiz – O Senhor mora a sessenta anos, cinqüenta anos?

  • Testemunha – É cinqüenta e tantos anos que moro ali.

  • (...)

  • Procurdor do Autor – Se para todos os vizinhos, se o Seu Genésio é considerado como dono daquele terreno?

  • Testemunha – Olha, pra mim sempre foi, os vizinho: “o terreno é do Genésio, é o terreno do Genésio”.

  • Testemunha Waldemar Teixeira de Melo (fl. 199-201):

  • Juiz – O Senhor sabe desde quando está ali o seu Genésio?

  • Testemunha – Ah, faz mais de trinta ano.

  • (...)

  • Juiz – O Senhor sabe como é que ele entrou ali, o que aconteceu, se ele ganhou de presente, se ele comprou?

  • Testemunha – Não, isso eu não sei nada. Só apenas eu sempre achei que ele era dono ali.

  • Juiz – Desde quando o senhor passa ali?

  • Testemunha – Mais ou menos isso, trinta e poucos anos que eu passo ali.

  • (...)

  • Procurador da Ré – E o seu Valdomiro e o Seu Genésio não chegaram a fazer uma troca de terrenos? O Senhor tem conhecimento disso?

  • Testemunha – Sim, esse terreno foi meio trocado por aquele da esquina, finado Valdomiro.

  • (...)

  • Testemunha (prosseguindo) – O Genésio cuidava uma esquina e o meu irmão tinha esse lá. E aí fizeram permuta, que o meu irmão tinha a chácara dele mais acima, na volta da estrada. E aí trocaram, mas isso há trinta e poucos anos que não...

Ainda, o réu, ora apelante, não arrolou uma única testemunha capaz de contrapor as alegações da autora quanto à matéria fática, inexistindo, nos autos, indicativo subsistente da alegação de comodato verbal. Ademais, como bem destacado pela e. Procuradora de Justiça:

  • Nesse ponto, a prova oral aponta para a procedência da ação, conforme reconhecido na origem.

  • Como se constata, as testemunhas arroladas, fls. 194/208v, corroboram a alegação de posse superior a vinte anos quando do ajuizamento da ação, tratando-se de vizinhos próximos que, ao que tudo indica, detêm amplo conhecimento sobre a situação do local.

  • As testemunhas Adão Pimentel, Waldemar Teixeira de Melo, Luiz Fernando Duarte e Ademir Oliveira afirmaram que o autor está na posse há mais de vinte anos, sendo que todos o reconhecem como dono da terra.

  • Cumpre referir que, em que pese alguma contradição sobre a origem da posse (se por concessão de Francisco Cáceres ou se por permuta com Valdomiro Teixeira), o fato é que o autor tem posse qualificada por tempo suficiente para a declaração de domínio.

  • Do depoimento de Waldemar Teixeira, extrai-se (fl. 200): “O Genésio cuidava uma esquina e o meu irmão tinha esse lá. E aí fizeram permuta, que o meu irmão tinha a chácara dele mais acima, na volta da estrada. E aí trocaram, mas isso há trinta e tantos anos que não...” (Grifo aposto).

  • Destaca-se, ainda, trecho do depoimento da testemunha Adão Pimentel (fl. 197v):

      • “Procurador: Se para todos os vizinhos, se o Seu Genésio é considerado como dono daquele terreno?

      • Testemunha: Olha, pra mim sempre foi, os vizinho: ‘O terreno do Genésio, é o terreno do Genésio.’

      • Procurador: Então quando cai o arame ou cai os (...) é o Seu Genésio que vai lá e arruma?

      • Testemunha: O Seu Genésio que vai e arruma e quando levanta o (...) ele vai lá e corta, ele tem...Mantém ele limpinho.”

  • E como corretamente ponderou o magistrado sentenciante, a afirmação do autor de que a permuta teria ocorrido “dois anos antes da morte do Valdomiro”, o que remontaria, aproximadamente, ao ano de 2001, deve ser considerada mero lapso de memória, possivelmente em decorrência da idade do autor (77 anos), não encontrando nenhum suporte nas demais provas produzidas, o mesmo se podendo dizer da oposição aventada pela testemunha Alexandre Muniz.

  • Por tais fundamentos, conclui este Órgão que deve ser desprovido o recurso de apelação.

  •  

Assim, atendidos aos requisitos, inclusive a posse sem oposição, impõe-se manter a procedência da ação.

Portanto, o recurso não merece provimento.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

È o voto.
 

Des. Heleno Tregnago Saraiva (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a).

Des. Nelson José Gonzaga (PRESIDENTE) - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. NELSON JOSÉ GONZAGA - Presidente - Apelação Cível nº 70058854613, Comarca de Jaguarão:"NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
 

Julgador (a) de 1º Grau: FERNANDO ALBERTO CORREA HENNING